domingo, 11 de julho de 2010

GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO
SUBSECRETARIA DE GESTÃO DA REDE E DE ENSINO
SUPERINTENDÊNCIA DE GESTÃO DA REDE E DE ENSINO
DIRETORIA GERAL DE GESTÃO ESCOLAR
COORDENAÇÃO DE GESTÃO ESCOLAR

Ensinar exige liberdade e autoridade
Noutro momento deste texto me referi ao fato de não termos ainda resolvido o problema da tensão ente a autoridade e a liberdade. Inclinados a superar a tradição autoritária, tão presente ente nós resvalamos para formas licenciosas de comportamento e descobrimos autoritarismo onde só houve o exercício legítimo da autoridade.
Recentemente, jovem professor universitário, de opção democrática, comentava comigo o que lhe parecia ter sido um desvio seu no uso de autoridade. Disse, constrangido, ter se oposto a que o aluno de outra classe continuasse na porta entreaberta de sua sala, a manter uma conversa gesticulada com uma das alunas. Ele tivera inclusive que parar sua fala em face do descompasso que a situação provocava. Para ele, sua decisão, com que devolvera ao espaço pedagógico o necessário clima para continuar sua atividade específica e com a qual restaurara o direito dos estudantes e o seu de prosseguir a prática docente, fora autoritário. Na verdade, não. Licencioso teria ido se tivesse permitido que a indisciplina de uma liberdade mal centrada desequilibrasse o contexto pedagógico, prejudicando assim o seu funcionamento.
Num dos inúmeros debates de que venho participando, e em que discutia precisamente a questão dos limitem sem os quais a liberdade se perverte em licença e a autoridade em autoritarismo, ou vi de um dos participantes que, os falar dos limites à liberdade eu estava repetindo a cantinela que caracterizava o discurso de professor seu, reconhecidamente reacionário, durante o regime militar. Para mim, não, exatamente porque aposto nela, porque sei que sem ela a existência só tem valor e sentido na luta em favor dela. A liberdade se limite é tão negada quanto a liberdade asfixiada ou castrada.
O grande problema que se coloca ao educador ou à educadora de opção democrática é como trabalhar no sentido de fazer possível que a necessidade do limite seja assumida eticamente pela liberdade. Quanto mais criticamente a liberdade assuma o limite necessário tanto mais autoridade tem ela, eticamente falando, para continuar lutando em seu nome.
Gostaria uma vez mais de deixar bem expresso o quanto aposto na liberdade, o quanto me parece fundamental que ela se exercite assumindo decisões. Foi isso, pelo menos, o que marcou minha experiência de filho, de professor, de marido, de pai e de cidadão.
A liberdade amadurece no confronto com outras liberdades, na defesa de seus direitos em face da autoridade dos pais, do professor, do Estado. É claro que, nem sempre, a liberdade do adolescente faz a melhor decisão com relação ao seu amanhã. É indispensável que os pais tomem parte das discussões co os filhos em torno desse amanhã. Não podem e nem devem omitir-se mas precisam saber e assumir que o futuro é de seus filhos e não seu. É preferível, para mim, reforçar o direito que tem a liberdade de decidir, mesmo correndo o rico de não acertar, a seguir a decisão dos pais. É decidindo que se aprende a decidir. Não posso aprender a se eu mesmo se não decido nunca, porque há sempre a sabedoria e a sensatez de meu pai e de minha mãe a decidir por mim. Não valem argumentos imediatistas como: “Já imaginou o risco, por exemplo, que você corre, de perder tempo e oportunidade, insistindo nesta idéia maluca?” A idéia do filho, naturalmente. O que há de pragmático na nossa existência não pode sobrepor-se ao imperativo ético de que não podemos fugir. O filho tem, no mínimo, o direito de provar, a “maluquice de sua idéia”. Por outro lado, faz parte do aprendizado da decisão a assunção das conseqüências do ato de decidir. Não há decisão a que não se sigam conseqüências do ato de decidir. Não há decisão a que não se sigam efeitos esperados, pouco esperados o inesperados. Por isso é que a decisão é um processo responsável. Uma das tarefas pedagógicas dos pais é deixar óbvio aos filhos que sua participação no processo de tomada de decisão deles não é uma intromissão mas um dever, até, desde que não pretendam assumir a missão de decidir por eles. A participação dos pais se deve dar sobretudo na análise, com os filhos, das conseqüências possíveis da decisão a ser tomada.
A posição da mãe ou do pai é a de quem, sem nenhum prejuízo ou rebaixamento de sua autoridade, humildemente, aceita o papel de enorme importância de assessora do filho ou da filha. Assessor que, embora batendo-se pelo acerto de sua visão das coisas, jamais tenta impor sua vontade ou se abespinha porque seu ponto de vista não foi aceito.
O que é preciso, fundamentalmente mesmo, é que o filho assuma eticamente, responsavelmente, sua decisão, fundante de sua autonomia. Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de vários, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. Por que, por exemplo, não desafiar o filho, ainda criança, no sentido de participar da escola da melhor hora para fazer seus deveres escolares? Por que o melhor tempo para esta tarefa é sempre o dos pais? Por que perder a oportunidade de ir sublinhando aos filhos o dever e o direito que eles têm, como gente, de ir forjando sua própria autonomia? Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de repente, aos 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é via a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências respeitosas da liberdade.
Uma coisa me parece muito clara hoje: jamais tive medo de apostar na liberdade, na seriedade, na amorosidade, na solidariedade, na luta em favor das quais aprendi o valor e a importância da raiva. Jamais receei ser criticado por minha mulher, por minhas filhas, por meus filhos, assim como pelos alunos e alunas com quem tenho trabalhado ao longo dos anos, porque tivesse apostado demasiado na liberdade, na esperança, na palavra do outro, na sua vontade de erguer-se ou reerguer-se, por ter sido mais ingênuo do que crítico. O que temi, nos diferentes momentos da minha vida, foi dar margem, por gestos ou palavrações, a ser considerado um oportunista, um “realista”, “um homem de pé no chão”, ou um desses “equilibristas” que se acham sempre em “cima do muro” à espera de saber qual a onda que se fará poder.
O que sempre deliberadamente recusei, em nome do próprio respeito à liberdade, foi sua distorção em licenciosidade. O que sempre procurei foi viver em plenitude relação tensa, contraditória e não mecânica, entre autoridade e liberdade, no sentido de assegurar o respeito entre ambas, cuja ruptura provoca a hipertrofia de uma ou de outra.
É interessante observar como, de modo geral, os autoritários consideram, amiúde, o respeito indispensável à liberdade como expressão de incorrigível espontaneísmo e os licenciosos descobrem autoritarismo em toda manifestação legítima da autoridade. A posição mais difícil, indiscutivelmente correta, é a do democrata, coerente com seu sonho solidário e igualitário, para quem não é possível autoridade sem liberdade e esta sem aquela.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

REFLITA:

A partir da perspectiva Freiriana, reflita e registre ações que você observa em sua escola que expressam práticas de Liberdade X Licenciosas e de Autoritarismo X Autoritárias. Não esqueça que o equilíbrio entre estes pólos é tênue e complexo. O que significa dizer que não é apenas o outro que está sujeito a desenvolver práticas autoritárias ou licenciosas. Nós também estamos. Neste sentido, é muito importante aqui fazer também uma auto-avaliação de suas ações como gestor .
Em seguida descreva os desafios e a ações que vêem sendo tomadas (ou que possam ser tomadas), para que se construa no espaço da sua escola práticas de liberdade e de autoridade.

OGS - NORTE FLU 2 - MACAÉ - RJ

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